Mariana Teixeira

Novelo de Angústias (2021)

   Amo, pelo silêncio ruidoso, o sossego do apartamento onde moro, e, sobretudo, aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha no bulício das rotinas. Por aqui arrasto até haver noite, uma sensação de vida de tarefas e sem propósitos. De dia, cheia de um bulício que não quer dizer nada; de noite, cansaço pela energia desperdiçada. Na maioria dos dias sou nula, e de noite apenas busco por distrações. 

   Em resistência a tanta falta, um dia manifestou-se aos montes pensamentos que comecei a pôr por escrito, até que, em algum momento, a tal coisa que provocou tal rebelião parou de reverberar, ou pelo menos, voltou-se ao movimento habitual e homogêneo. À medida que parecia não haver mais nada a expor-me, a densidade do espaço, que não permitia nenhum respiro, começou a ventilar e consegui de alguma forma intuir a razão pela qual a minha energia se esvaia diante da mais simples tarefa rotineira. Parece tolo pensar que ao se confrontar com anseios e indagações alguma energia seja restabelecida e uma presença na vida seja recuperada?

   Foi, na verdade, um pequeno alívio diante das diligências que ditam os meus dias, mas que também fez surgir um novo desígnio: a necessidade de retornar às tais indagações, não para encontrar suas respostas, que possivelmente não se tornarão em afirmativas permanentes, mas pela busca de alguma coisa que parece ter sido deixada em algum lugar. 

   Ao olhar para a janela, vejo uma paisagem de camadas de prédios sobrepostos que, como os meus dias, sofrem pela constância e despertam pouca inspiração. Por isso, nos momentos de sossego, me entretenho com os sons que por vezes invadem o ambiente. Fracos, musicais, ruidosos ou mais que ruidosos, ecos de vozes incógnitas, próximos e distantes. Ao longe, ainda há algo de vívido, mas também de excesso.  

   Nessas horas vazias e sozinha, em que o dia ainda não chegou ao fim e possuo alguma força para tentar romper com o que parece cada vez mais me cristalizar, encontrei uma forma de mergulhar na correnteza das minhas inquietações sem que estas fossem tão asfixiantes. Iniciei pela rescrita, inscrevendo no estreitamento de um fio de tramas aquelas mesmas inquietações que antes surgiram em um turbilhão e, tão logo, encontrei novos questionamentos a serem guardados. Cada dúvida acrescenta mais outras. Vou ao fundo o quanto posso e me estreitando no propósito inteiramente belo e sereno que habitar o entre bordar e escrever. 

   Logo nas primeiras letras delineadas em linha, meu corpo enrijece, tensiona-se. Não lembro de alguma vez um movimento como este me causar tanta dor física. A estreiteza da superfície fio por onde a linha passa obriga meus dedos da mão direita a permanecerem rijos numa mesma posição. Braços próximos ao corpo, cabeça baixa. O percurso da linha talvez seja o único que permite uma maior amplitude de movimento, além do momento de desnovelo do fio antes de começar.

   Talvez por isso tenha a necessidade de, em diversos momentos, mudar de posição sem que me dê conta. Ora me encontro mais ereta, ora mais relaxada, pernas esticadas, pernas dobradas… Anseio por esses momentos em que possa ser deixada só a bordar, ser levada por esse fio, me desenredar… Os dias passam. A cada dia passo a ocupar diversos locais desse ambiente, o mais claro da casa, sento-me no sofá, no chão, na cadeira, na poltrona e volto-me a essa ação. 

   De repente, aquilo que estou a bordar foge à minha mente… Não se trata de uma falta de foco no fazer. É próprio do bordado minar as antecipações das próximas investidas da agulha quanto mais tempo seja necessário para a sua completude. Sendo frases, é preciso apegar-se em cada letra, uma por vez, de forma que talvez apenas uma criança que acaba de aprender a ler precisa fazer em suas primeiras investidas na leitura. Uma leitura naufragada em que perde-se constantemente a palavra de vista, o significado delas, seu sentido nas frases e, por isso, retorna, relê, relembra para se apreender aquele escrito. 

   Amo, pelo silêncio ruidoso, o sossego do apartamento onde moro, e, sobretudo, aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha no bulício das rotinas. Por aqui arrasto até haver noite, uma sensação de vida de tarefas e sem propósitos. De dia, cheia de um bulício que não quer dizer nada; de noite, cansaço pela energia desperdiçada. Na maioria dos dias sou nula, e de noite apenas busco por distrações. 

   Em resistência a tanta falta, um dia manifestou-se aos montes pensamentos que comecei a pôr por escrito, até que, em algum momento, a tal coisa que provocou tal rebelião parou de reverberar, ou pelo menos, voltou-se ao movimento habitual e homogêneo. À medida que parecia não haver mais nada a expor-me, a densidade do espaço, que não permitia nenhum respiro, começou a ventilar e consegui de alguma forma intuir a razão pela qual a minha energia se esvaia diante da mais simples tarefa rotineira. Parece tolo pensar que ao se confrontar com anseios e indagações alguma energia seja restabelecida e uma presença na vida seja recuperada?

   Foi, na verdade, um pequeno alívio diante das diligências que ditam os meus dias, mas que também fez surgir um novo desígnio: a necessidade de retornar às tais indagações, não para encontrar suas respostas, que possivelmente não se tornarão em afirmativas permanentes, mas pela busca de alguma coisa que parece ter sido deixada em algum lugar. 

   Ao olhar para a janela, vejo uma paisagem de camadas de prédios sobrepostos que, como os meus dias, sofrem pela constância e despertam pouca inspiração. Por isso, nos momentos de sossego, me entretenho com os sons que por vezes invadem o ambiente. Fracos, musicais, ruidosos ou mais que ruidosos, ecos de vozes incógnitas, próximos e distantes. Ao longe, ainda há algo de vívido, mas também de excesso.  

   Nessas horas vazias e sozinha, em que o dia ainda não chegou ao fim e possuo alguma força para tentar romper com o que parece cada vez mais me cristalizar, encontrei uma forma de mergulhar na correnteza das minhas inquietações sem que estas fossem tão asfixiantes. Iniciei pela rescrita, inscrevendo no estreitamento de um fio de tramas aquelas mesmas inquietações que antes surgiram em um turbilhão e, tão logo, encontrei novos questionamentos a serem guardados. Cada dúvida acrescenta mais outras. Vou ao fundo o quanto posso e me estreitando no propósito inteiramente belo e sereno que habitar o entre bordar e escrever. 

   Logo nas primeiras letras delineadas em linha, meu corpo enrijece, tensiona-se. Não lembro de alguma vez um movimento como este me causar tanta dor física. A estreiteza da superfície fio por onde a linha passa obriga meus dedos da mão direita a permanecerem rijos numa mesma posição. Braços próximos ao corpo, cabeça baixa. O percurso da linha talvez seja o único que permite uma maior amplitude de movimento, além do momento de desnovelo do fio antes de começar.

   Talvez por isso tenha a necessidade de, em diversos momentos, mudar de posição sem que me dê conta. Ora me encontro mais ereta, ora mais relaxada, pernas esticadas, pernas dobradas… Anseio por esses momentos em que possa ser deixada só a bordar, ser levada por esse fio, me desenredar… Os dias passam. A cada dia passo a ocupar diversos locais desse ambiente, o mais claro da casa, sento-me no sofá, no chão, na cadeira, na poltrona e volto-me a essa ação. 

   De repente, aquilo que estou a bordar foge à minha mente… Não se trata de uma falta de foco no fazer. É próprio do bordado minar as antecipações das próximas investidas da agulha quanto mais tempo seja necessário para a sua completude. Sendo frases, é preciso apegar-se em cada letra, uma por vez, de forma que talvez apenas uma criança que acaba de aprender a ler precisa fazer em suas primeiras investidas na leitura. Uma leitura naufragada em que perde-se constantemente a palavra de vista, o significado delas, seu sentido nas frases e, por isso, retorna, relê, relembra para se apreender aquele escrito. 

   

   Nascida e moradora do Rio de Janeiro. Formada em Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Durante sua formação percorreu diversas linguagens artísticas, mas têm encontrado na linguagem dos fios a sua forma de expressão. Seus trabalhos lidam com questões do feminino, da ancestralidade e escrita. Participou das seguintes exposições coletivas: Formação 2018/19 no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica (2019-20), Flores e Frutos no Ateliê Locus (2019) e Olha Geral 2018 na Galeria Gustavo Schnoor (2018).  Formada como Arte Educadora, também volta-se para o estudo da importância da Arte dentro da Educação como uma disciplina essencial e dentro da área da saúde para o desenvolvimento do ser humano. Por isso, iniciou formação na Associação Beneficente Parsifal em Pedagogia Curativa e Terapia Social voltada a educação de crianças e jovens com necessidades especiais e ao suporte de adultos na mesma condição, onde também estagia desde 2022. Recentemente tornou-se colaboradora na Casa das Palmeiras Nise da Silveira, local com ateliês abertos para pessoas com doenças mentais, principalmente psicóticos.

   Nascida e moradora do Rio de Janeiro. Formada em Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Durante sua formação percorreu diversas linguagens artísticas, mas têm encontrado na linguagem dos fios a sua forma de expressão. Seus trabalhos lidam com questões do feminino, da ancestralidade e escrita. Participou das seguintes exposições coletivas: Formação 2018/19 no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica (2019-20), Flores e Frutos no Ateliê Locus (2019) e Olha Geral 2018 na Galeria Gustavo Schnoor (2018).  Formada como Arte Educadora, também volta-se para o estudo da importância da Arte dentro da Educação como uma disciplina essencial e dentro da área da saúde para o desenvolvimento do ser humano. Por isso, iniciou formação na Associação Beneficente Parsifal em Pedagogia Curativa e Terapia Social voltada a educação de crianças e jovens com necessidades especiais e ao suporte de adultos na mesma condição, onde também estagia desde 2022. Recentemente tornou-se colaboradora na Casa das Palmeiras Nise da Silveira, local com ateliês abertos para pessoas com doenças mentais, principalmente psicóticos.